HUMANIZAÇÃO DAS RELAÇÕES
"Por estar nos estágios de neonatalogia e obstetrícia, estou tendo a oportunidade de acompanhar alguns partos e perceber como é difícil mudar atitudes simples. É interessante como os próprios profissionais de saúde se mecanizaram e não analisam de forma crítica suas palavras e atitudes. Como todo mundo faz de uma determinada forma e "sempre" foi feito assim, continuamos fazendo.
Às vezes me questiono de que valem todos os anos de estudo e o clichê do raciocínio lógico, do raciocínio científico, se nos recusamos vez por outr,a, de parar, analisar e avaliar nossas condutas. É incrível como nos tornamos meros repetidores das atitudes e idéias alheias, sem nos questionar se aquilo realmente tem fundamento.
Quanto ao decúbito dorsal, existem diversos estudos que contraindicam esta posição durante TP e parto, além do que são frequentes as complicações que esta posição trás. Não adianta dizermos que ela é necessária ao conforto e à comodidade da equipe, pois por experiência própria não interfere. O fato da mulher estar acocorada, de quatro ou em decúbito lateral não nos atrapalha de forma alguma a realizar exames de toque, controle de dinâmica uterina ou monitoração cárdio-fetal. Mas essas posições trazem grandes benefícios à parturiente.
Acredito que falte apenas coragem e humildade para nos colocarmos no lugar que nos cabe, o de auxiliadores, e repensar nossas ações. O compromisso que tanto médicos como enfermeiros fazemos é de atuar em prol do benefício do cliente, e sinceramente isto é que menos vejo. Normalmente me deparo com pacientes assustados, ansiosos por não saber o que se passa com eles, desconfiados, ou seja desrespeitados enquanto pessoas e desatendidos em suas necessidades.
Durante o meu parto, uma das coisa que me deu mais força e fez com que eu tivesse novo fôlego para continuar, foi o obstetra pedir para que eu sentisse a cabeçinha de meu filho, pois faltava tão pouco para que eu o tivesse em meus braços. Engraçado, uma coisa tão simples fez tanta diferença. E mesmo podendo ver e sentir tudo o que acontecia, isso não impediu que fosse feito uma monitoração efetiva e segura e também não "contaminou" o feto ou campo, como dizemos.
Abraços...
Fabiane"
Esta bela reflexão foi feita por uma de nossas alunas do curso de formação de doula parto. Ela toca o coração do que eu considero humanização. Humanização é para mim estimular e promover o senso crítico em mulheres e em profissionais. Ambos tendem a fazer o que o estereótipo manda, o que os outros falam, o que é costume fazer, o que a mãe ou amiga fez. Assim fazendo, se perde o momento. O que se sente agora? O que funciona agora? O que está agora nos olhos da outra pessoa e que eu posso lhe dar para que ela fique melhor?
A mecanização dos comportamentos matam as relações. Deixamos de ser humanos quando nos relacionamos aos outros como máquinas e os tratamos como objetos. Muitas grávidas fazem isso com seu próprio corpo e muitos médicos e enfermeiras fazem isso com as pessoas que passam pelos seus cuidados. Que tenham turnos e limitações de tempo e energia não é e não pode ser desculpa. Vivemos hoje em dia, todos, crianças e adultos, numa vida corrida que consome nossas energias. Porém, um olhar, um gesto, uma atenção não custa tempo. Custa sair do transe e acordar para o presente. Estar no aqui e agora, enriquecendo a alma da troca e união com outro ser humano.
Adriana Tanese Nogueira, Psicanalista, filósofa, autora, educadora perinatal, fundadora da ONG Amigas do Parto. www.adrianatanesenogueira.org