PARTO DE ELITE E VALORES
A mensagem foi enviada para uma lista de discussão pública. Achei-a tão esclarecedora da situação que estamos vivendo que resolvi trazê-la para cá.
“Olá,
Estou descobrindo que o parto humanizado em Brasília é produto especializado para a elite. Os médicos que atendem dessa forma cobram honorários altos. Nós da classe média que dependemos de plano de saúde ficamos sem alternativa.
Chego a achar que nesse quesito o atendimento público é melhor, mas não vejo sentido em ocupar uma vaga no hospital público, sempre com leitos insuficientes, ou casa de parto que atende a população de baixa renda.
Nos últimos meses temos procurado médicos do plano de saúde, sem nenhum sucesso. Em muitos casos a secretária já alerta que só trabalham com cesárea, que são "intervencionistas". A maioria não conversa por telefone, e temos que agendar consulta para ter mais informações. Isso acontece quando a secretária fala que, a princípio, o parto é uma decisão conjunta do médico com o paciente.
Assim, marcamos consultas com 7 médicos distintos nas últimas semanas, e com todos ficamos muito inseguros quanto ao parto. Há desde aqueles que, na conversa, começam a defender a cesárea, até uns que dizem que o assunto tem que ser discutido mais para frente (um deles disse que só podemos discutir melhor como vai ser o parto com 38 semanas!).
Ou seja, estou no momento sem médico, e com o risco de acabar com um desses com a total insegurança se na hora do parto vou ser induzida a uma situação não desejada...
É meu primeiro filho e não imaginava que a realidade para se ter um filho no Brasil era tão triste. Se bobear vou ser uma das 70% que desejam parto normal e terminam com cesárea...
Abraços,
Giselle”
Esta mensagem levanta algumas questões importantes. Se trata de dilemas que não poderão ser adiados por muito tempo, pois o número de mulheres insatisfeitas com a situação está em aumento.
O parto humanizado acaba sendo frequentemente um parto de elite. A lei da demanda e da oferta vale aqui também. Como há poucos profissionais e geralmente não trabalham com plano de saúde, o serviço é cobrado como fosse outro qualquer, talvez até um pouco mais por representar algo “diferente”.
Cabe às mulheres exercitarem pressão. A classe média é quem paga o preço mais alto, esmagada entre duas realidades oposta: o serviço público tradicional e os valores tradicionais do novo parto humanizado.
Por outro lado, a classe média poderia começar a rever suas idéias quanto ao serviço público. Nem sempre sua qualidade deixa a desejar. Se houvesse mais mulheres de classe média utilizando o serviço público, quiça que sua qualidade não cresceria exponencialmente. E no que diz às Casas de Parto, por que tratá-las como locais de série B para se ter um parto só porque elas são do SUS?
Não vamos nos esquecer que temos voz, e que por isso podemos pedir, reclamar, conversar, negociar, exigir. Isso se chama exercício da cidadania. Não precisa brigar, basta mostrar que se vê, sente e pensa. E que se quer participar das decisões.
Aos obstetras (sejam eles médicos ou enfermeiras) pedimos que reflitam sobre o sentido de sua prática. Parece-me haver uma esquizofrenia entre promover o parto humanizado inspirando-se no “hormônio do amor” e no “empoderamento da mulher”, e, do outro lado, assujeitá-lo às impiedosas leis do capital, no interior de uma sociedade que se mantém classista.
Não tenho soluções. Este é um debate porém que precisa ser levantado e cuja solução vai depender do engajamento de muitos, mulheres usuárias e profissionais de saúde.
Para mim, humanização vai além do basear a prática em evidências científicas. Se acreditamos que “para mudar o mundo é preciso mudar a forma de nascer” (Odent), o obstetra humanizado é convidado a possuir consciência social e engajamento cívico, além de competência técnica.
Adriana Tanese Nogueira, Psicanalista, filósofa, autora, educadora perinatal, fundadora da ONG Amigas do Parto. www.adrianatanesenogueira.org